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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Fim do Estado- análise Norberto Bobbio

Em princípio, ao falarmos de uma sociedade sem a presença de uma organização politicamente organizada, Bobbio nos remete a tese de Engels, segundo ela, assim como um Estado teve sua origem, ele também terá um fim. Este chegaria quando as causas que o deram origem se extinguirem. Em outras palavras para Engels e também Marx, as causas que produziram o Estado seria a contraposição das classes distintas, quando a divisão e as contraposições passarem a não mais existir assim teríamos a morte do Estado, entretanto esta análise será feita mais adiante quando formos falar do Estado como mal não necessário.
Nesse momento, é importante que se faça a separação entre o fim do Estado e o problema da crise estatal, esta última pode ser percebida pelas transformações constantes que essa instituição assume ao longo de sua história, movidos pelo dinamismo social os modelos de intervenções do estado se renovam, revendo de que forma agir na sociedade. Fazendo uma breve viagem histórica podemos perceber esses processos de transformações. No século XVIII, foi estruturado um Estado liberal reduzindo sua esfera de atuação a segurança pública, a arrecadação de impostos e aos problemas internacionais (diplomacia), após a 1º Guerra Mundial, a Revolução Russa e tendo o estopim na década de 30, o Estado liberal entra em crise já não atendendo as necessidades daquela sociedade, surgindo assim o Estado Social-Burocrático, de cunho intervencionista, que aparece nos países de 1º Mundo com o nome de Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) e nos países do bloco soviético como Estado Comunista. Aos poucos a estrutura intervencionista também entra em crise, começando um novo processo de desconcentração e descentralização.
A crise de um Estado capitalista, por exemplo, é percebida quando não se consegue mais regular ou tutelar o poder dos grandes grupos que estabelecem concorrência entre si. Em um Estado democrático a crise se faz presente quando não é mais possível atender às demandas vindas da sociedade. O fim do Estado por sua vez, como apresentado por Bobbio está intimamente relacionado às correntes axiológicas positivas e negativas de Estado.
Adotando uma idéia positiva da organização estatal, notaremos o Estado como uma instituição a favor do desenvolvimento e progresso civil. Quer no sentido aristotélico na qual encontramos a existência da polis a função de tornar possível uma vida feliz, quer no sentido racional que passa por Spinoza, Rousseau até Hegel, onde há o Estado como protetor da vida racional do homem (fora do Estado, segundo eles existe o mundo das paixões).
O Estado, portanto no sentido positivo não teria fim porque não constituiria um mal, de certa forma ele estaria atrelado à idéia de uma república ótima, que não é perfeita mais previsível de aperfeiçoamento. Na sua representação máxima de república ótima teríamos o arquétipo das repúblicas ideais (não são possíveis de existência), que possuem uma idéia extremamente positiva do Estado e sendo altamente controlada por ele. No contraponto dessa concepção, Bobbio apresenta e poderíamos e ir mais além apresentando a idealização negativa do Estado de George Orwell na obra “1984”, que é uma metáfora pessimista do mundo pós-guerra dominado pelo totalitarismo, no livro Orwell não quer apenas criticar o nazismo e o stalinismo da década de 30 e 40, mas toda forma de governo que reduza o indivíduo as regras de controle total impostas pelo Estado. Em “1984” encontra-se um único partido (IngSoc), tutor de todos os atos e liberdades individuais de seus membros vigiados pelas Teletelas, tendo sempre a onipresença do Grande Irmão.
Adotando uma concepção negativa de Estado, partindo do juízo de que Estado é um mal, segundo Norberto Bobbio, teremos duas subcorrentes: o Estado como mal necessário e o Estado como um mal não necessário (apenas essa remete a idéia do fim do Estado).
O Estado como mal necessário, reconhece o estado como um ente maléfico, porém indispensável à existência da sociedade. Julgado sobre a óptica cristã, o Estado é entendido como “remedium peccati”, pois o corpo social é perverso e egoísta e deve ser regulado por meio do medo, o princípio aqui apresentado é a conhecida teoria hobbesiana, que possui uma visão pessimista do homem, que abandona a si mesmo e torna-se lobo para outro homem, porém há o Leviatã (Estado) o monstro capaz de regular as condutas humanas. Na visão cristã há, portanto, um Estado e acima dele há a Igreja, que mesmo o considerando uma instituição imperfeita é este que a beneficia. Por esse motivo, o Estado deve continuar a sobreviver, pois é melhor a sua negatividade do que uma anarquia. A sociedade civil, por sua vez, julga o Estado como mal necessário limitando os poderes desse Estado ao mínimo possível, é o que conhecemos por Estado mínimo, que para Adam Smith o papel dessa instituição é unicamente promover a ordem interna, assegurar a defesa externa, além de executar as tarefas públicas, portanto, o Estado estaria desvinculado de regular a economia e os outros assuntos afins, sendo essas idéias de suma importância para a ascendência do liberalismo. Segundo alguns teóricos o Estado para ser um bom Estado deve governar o menos possível. Thomas Paine, diz quais as exigências para o surgimento desse Estado mínimo:
“A sociedade é produzida por nossas necessidades e o governo por nossa perversidade; a primeira promove a nossa felicidade positivamente mantendo juntos os nossos afetos, o segundo negativamente mantendo sob o freio os nossos vícios. Uma encoraja as relações, o outro cria distinções. A primeira protege, o segundo pune. A sociedade é sob qualquer condição uma dádiva; o governo inclusive na sua melhor forma, nada mais é que um mal necessário, e na sua pior forma é insuportável” .

Percebemos na colocação de Paine, que o Estado existe com o principal desiderato de manter a ordem social, por meios de coerções, punições que mesmo sendo necessárias fazem desse Estado um mal. As sanções impostas pelo Estado, logo surgem para driblar o anti-social que inevitavelmente aflorará no seio da sociedade. Marquês de Sade tece uma citação importante: “Não há outro inferno para o homem além da estupidez ou da maldade dos seus semelhantes”. O homem antes mesmo de ser um ser social é um ser da natureza que atende as ambições e instintos de egoísmo jamais percebidos em outra espécie. Mahatma Gandhi também coloca: “Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição”. A todo o tempo o individual choca-se e entra em conflito com os seus semelhantes. É, pois, o Estado que dará segurança aos homens e alimentar a estrutura do organismo social. Portando, esse órgão político observado sobre tal ponto de vista é um mal, porém um mal indispensável à sociedade.
Esse mesmo Estado com uma atuação mínima, não quer dizer necessariamente o seu fim, uma vez que ele continua a atuar em certas áreas da sociedade. Uma teoria interposta entre esses dois extremos da ideia de Estado mínimo e fim do Estado, é a teoria anglo-saxã (Teoria Pluralista), embasada na distinção entre a descentralização funcional e na tese de que o Estado deve ater sua própria função à de supremo coordenador dos grupos funcionais, econômicos e culturais. Em resumo, os indivíduos corresponderiam a alguma associação funcional (produtor, consumidor, cidadão), enquanto o Estado seria o entre suprafuncional com a tarefa não de domínio, mas de coordenação.
O Estado como conceito de um mal não necessário (idéia que remete ao fim do Estado), analisado por Bobbio, está compreendido em todas as teorias como uma instituição que detém o monopólio da força e dos meios necessário a reprovação dos que contribuem pra a desarmonia social. Ele, portanto, teria seu fim quando as necessidades desses meios de coerções desaparecessem.
Voltando a ideia de Estado mínimo, que primeiramente adquiriu a liberdade em relação ao poder ideológico, permitindo a maior difusão de idéias, crenças religiosas e aptidões políticas. Depois teve o fim do monopólio em relação ao poder econômico, permitindo a livre comercialização e transmissão de bens. Até esse ponto de emancipação não teríamos o fim do Estado, que só ocorreria quando a sociedade se libertasse totalmente do poder coativo.
Uma das teorias mais conhecidas a respeito do fim do Estado é a de Marx e Engels. Caracterizando o surgimento do Estado como o produto da divisão trabalho e de classes contrapostas que compõe a sociedade (por exemplo: senhor e escravo, suserano e servo, industrial e operário), mostrando sempre o domínio das classes que se encontram no centro sobre as periféricas. Logo, o fim do Estado ocorreria  quando a ditadura do proletariado tomasse o poder fazendo com que a divisão de classes já não exista mais. Além dessa teoria, Norberto Bobbio, nos apresenta outras três teorias acerca do extermínio estatal.
A primeira delas é a teoria de origem religiosa, que reconhece que uma sociedade vivendo sobre os preceitos cristãos não necessita do aparato estatal e das suas instituições políticas, negando a milícia e os tribunais.
Do outro lado, teríamos uma segunda teoria conhecida de atualmente de tecnocrática, como foi exposta por Saint-Simon, que refuta os guerreiros e os legistas na sociedade industrial, reconhecendo os produtores e cientistas como eixo principal de um corpo social, não havendo mais a necessidade da força emanada pela soberania do Estado, caracterizando assim o seu fim.
A última das três teorias expostas por Bobbio é a anarquista, precursora de vários movimentos revolucionários no século XVII e até hoje apresenta sinais de existência. O anarquismo caracteriza-se pela forma plena de libertação do indivíduo em todas as formas que o possam indeferir na sua autonomia, negando qualquer tipo de autoridade religiosa, econômica ou política.O anarquismo nasce na mesma época da ascendência do socialismo de Engels e Marx e tem com um dos seus principais teóricos Pierre-Joseph Proudhon. A primeira das bases desse movimento é a negação da propriedade privada, sendo esta uma forma de suicídio para a sociedade. O segundo ponto de apoio da teoria é o próprio fim do Estado, uma vez que este é entendido como uma organização perigosa e desnecessária a sociedade, caracterizado como instrumento de opressão do homem sobre o homem, sempre favorecendo as classes dominantes. Uma terceira característica do anarquismo seria a crença na liberdade e cooperação voluntária, sem a necessidade do Estado e de suas leis.
Assim, para os anarquistas deveria haver uma sociedade equilibrada na ordem, de forma a não existir coação, fundada apenas na autodisciplina dos indivíduos e na concepção otimista do homem.
Analisado através de concepções positivas e negativas o aparelho estatal, concluímos a partir das idéias expostas no texto de Norberto Bobbio, acerca do tema o fim do Estado, que apenas o Estado entendido como um mal não necessário (concepção mais forte dentro da valoração negativa) remete a esse fim, nesse ponto Bobbio nos apresenta as doutrinas marxista-engelsiana, a religiosa, a tecnocrática e a anarquista, todas negando a não necessidade do poder coativo. No extremo oposto temos o Estado entendido sob a valoração positiva, este não teria um fim, pois não constituiria um mal. Bobbio apresenta o fim do Estado como sendo uma ligação para qual o homem sobreviveria e se desenvolveria sem a necessidade dos meios de coerção.

(Víctor Sousza)

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