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domingo, 25 de julho de 2010

Fuga em Sol Maior


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada. (Fernando Pessoa)
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Tocatta
Foge Beatriz !
No teu encalço, sem piedade, estão todos do Reino,
Malabaristas, tropeiros, bruxas e vendilhões . . .
Tua cabeça está a prêmio, teu coração não importa,
Tua graça, teus arabescos no ar, teu movimento/
Caíram em desgraça/
Agora és a caça.
Foge !
Outro tempo de Venturas criaste nos caminhos de muitos/
Foste Musa/ Foste Estrela/
E em tua luz/ tantos tristes se aninharam/
E teu canto inflou tantas almas secas/
Tua palavra acendeu chamas apagadas/
Teus contos fizeram a festa/
Deste um banquete de dez mil talheres/
Onde o prato principal eras tu !
Foste devorada e bebida e ainda saístes viva/incólume/
E ainda assim . . . mais bela, mais artista, mais feliz !
Como poderiam suportar ?
Foge Beatriz !
Antes que peçam bis/ que o Arcanjo passe o chapéu !
Escapa pelas vias estreitas das almas penadas/
Pega o trem do nunca mais/
L’ avion de nulle part !
No Reino para trás/
Teus vampiros abominarão tua fuga em Sol Maior !
Porque partiste para a Luz/
Irás brilhar e ser feliz em outras esferas/
Enquanto eles . . . amargurados/
Arrastarão para sempre suas correntes pesadas/
Suas malas cheias de tralhas inúteis/
Que ousada e imprevidente/
Mandaste abandonar/ se quisessem seguir-te !
Não souberam Beatriz/ Não ousaram/
Alguma coisa desejavam guardar/
E perderam teu rumo . . .
Agora, novamente livre e feliz/
Acenas sem reservas/
Para os corações de eras ultrapassadas/
E eles estão frios e apertados/
Cansados e descrentes . . .
Como podes tocar tua flauta ?
Pára de agitar os teus guisos !
Inclementes e insatisfeitos/
Os antigos convivas do banquete festivo/
Querem mais ! E não podem aceitar/
Que a tanta fartura não tenham direito sequer/
A uma côdea do pão sublimado.
Foge em Tocata/ pianíssimo . . .
Diz adeus/ parte para outras jornadas/
Onde te aguardam famintos menos amargos/
Que desconhecem inocentes/
Tua história tão linda/tão louca/tão proibida !
O dia amanhece . . . Be actress !
Pega carona nas asas salvadoras da tua música/
Embarca na estação do nunca mais . . .
Sem deixar sinais/endereços nem lembranças/
Foge Menina sem tempo/ viajante sem peso/
Imponderável criatura do infinito/
Antes que alcancem as redes/
As armas/as amarras/ as pedras duras/
Dos corações pecadores e perdidos . . .
Pronto ! Acabou ! Diz Adeus/
Dizer Adeus é Viver !
Vai ser feliz longe de tudo . . .
De todos os olhares do passado/
Que miram espelhos retrovisores/
E não aceitam que tenha se passado a estação/
Que tenha partido o trem . . .
Para trás . . . para trás . . .

(texto de Valéria Montenegro)


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